Dólar em alta vira problema para inflação e pode atrapalhar até crescimento econômico

Cotação da moeda estadunidense saiu de R$ 4,85 para até R$ 5,75 nesta segunda-feira (5)

Brasil de Fato – O dólar está em alta neste ano. A cotação da moeda estadunidense saiu de R$ 4,85, no início de janeiro, e chegou a atingir R$ 5,75 nesta segunda-feira (5), o maior valor registrado desde março de 2021.

A valorização acumulada até aqui chega a 18%. Segundo economistas, ela está ligada, principalmente, à desconfiança de investidores sobre os rumos da economia mundial. A tensão no Oriente Médio cresceu por conta do assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, a geração de empregos nos Estados Unidos decepcionou, e isso elevou a procura por segurança – o que acaba aumentando a demanda por dólar.

No Brasil, a economia vai bem. Está crescendo mais do que o esperado no início do ano e o desemprego está em queda. A alta do dólar, entretanto, pode virar um problema, que começaria com inflação e poderia impactar todo o desenvolvimento em curso.

Isso porque o aumento do valor da moeda estadunidense tem efeito sobre os preços no Brasil. O economista Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças), explicou que a moeda estadunidense é decisiva para o custo de tudo o que é importado pelo país. É considerada até para a decisão do preço da comida e outros produtos nacionais vendidos no mercado global, como combustíveis.

Há um mês, a Petrobras aumentou a gasolina e o diesel, já considerando a alta do petróleo, vendido em dólar mundo afora.

O economista e engenheiro-agrônomo José Giacomo Baccarin acrescentou que parte dos produtos que o brasileiro consome vem de fora – ou seja, sobem de preço com a alta do dólar. Mesmo os produzidos aqui também tendem a aumentar já que, interligado ao mercado global, um pecuarista brasileiro pode decidir exportar a carne produzida no país caso o preço internacional valha mais a pena para ele.

“Você exporta frango por um valor em real maior, e isso é transmitido para o mercado interno. Também importa trigo pagando mais caro”, exemplificou. “Então, a desvalorização cambial afeta tanto os preços dos produtos exportáveis e dos importáveis.”

Inflação

O aumento de preços de determinados produtos tende a levar à alta da inflação. Esse movimento, aliás, já foi parcialmente percebido entre meados de junho e julho.

Por conta do aumento dos combustíveis promovido pela Petrobras, a prévia da inflação de julho ficou em 0,3%. No mesmo mês do ano passado, tinha sido -0,07% – ou seja, variação negativa, indicando queda geral de preços.

Em 12 meses, a inflação acumula 4,45% de variação. Assim, ela está bem perto da meta para 2024 estabelecida para o índice: 3%, com tolerância de 1,5 ponto – ou seja, até 4,5%.

Baccarin disse que o aumento generalizado de preços pode ser um problema econômico considerável. No caso da alta nos alimentos, mais do que um problema da economia, é um problema social que tende a prejudicar principalmente os mais pobres.

“Quando os alimentos ficam mais caros, os mais afetados são os consumidores mais pobres, que gastam 30%, 40% da sua renda com comida”, disse o economista. “O mais pobre, às vezes, vai abrir mão de proteína animal, comer menos carne por semana, trocar produtos de qualidade nutricional por produtos de qualidade nutricional inferior ou até diminuir a quantidade consumida.”

Juros

Já quando a inflação sobe, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), tende a aumentar a taxa básica de juros da economia nacional, a chamada Selic.

No final do mês passado, o Copom decidiu manter a Selic em 10,5% ao ano – taxa que é considerada alta – já preocupado com sinais de aumento da inflação. Na ata desta reunião, inclusive, o comitê alertou que pode inclusive subir a Selic nos próximos meses considerando o “cenário externo desafiador”, o qual impacta no câmbio.

“Os fluxos de capital refletem também um fenômeno global de aversão ao risco, que, a depender dos fundamentos de cada economia emergente, pressiona a taxa de câmbio com intensidade variável”, descreveu o comitê, explicando a alta do dólar no Brasil.

Mais efeitos

O problema é que o aumento dos juros no Brasil tem impacto sobre vários indicadores da economia. Isso porque ela funciona como referência para a economia nacional.

Quando a Selic sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que refreia a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.

Já quando a taxa cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda mais elevada.

A Selic também é uma taxa de referência para os títulos da dívida que o governo emite para financiar suas atividades. Isso significa que, quando ela sobe ou desce, isso também influencia no gasto com juros e até no valor total da dívida brasileira.

Em junho, por exemplo, o setor público brasileiro gastou R$ 94,9 bilhões só com os serviços financeiros de sua dívida. O gasto foi o maior já registrado em um mês desde junho de 2022. É também mais do que o dobro em relação ao registrado em junho do ano passado (R$ 40,7 bilhões).

Considerando esses dados, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito cobranças públicas para a redução da Selic. Num cenário de dólar em alta, entretanto, essas quedas ficam cada vez menos prováveis.

Proteção

Por conta de todas essas consequências para a economia, economistas defendem uma ação coordenada para conter grandes variações da cotação do dólar.

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recomenda uma ação do BC no mercado de títulos vinculados ao dólar. “No curto prazo, poderia atuar mais diretamente no mercado de derivativos através dos swaps.”

Swap é um derivativo financeiro que promove simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos financeiros entre agentes econômicos. Por meio dessas operações, o BC consegue “proteger” o mercado nacional das variações do câmbio.

Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento (IEP), também recomenda que o BC venda reservas em dólar para aumentar a disponibilidade da moeda no mercado e derrubar sua cotação.

O Brasil fechou o ano de 2023 com US$ 355 bilhões em reservas internacionais.

Tanto a atuação nos swaps quanto a venda de reservas dependem de uma ação proposital do BC. Cantelmo, contudo, reclama que o órgão, presidido por Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem sido passivo nesse sentido. “O BC tem, na verdade, usado a questão do câmbio para justificar a taxa de juros elevada”, disse.