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Capacidade de negociação do governo prevaleceu sobre disputas ideológicas, aponta cientista política Priscila Lapa

Brasil de Fato – O início das negociações entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, neste domingo (26/10), para solucionar o tarifaço contra importação de produtos brasileiros, enfraquece o discurso da extrema direita que apostava no tensionamento da relação com os Estados Unidos até 2026. A análise é da cientista política Priscila Lapa.
“Era uma espécie de carta na manga [do bolsonarismo] que faria o governo sangrar até as eleições, atingindo não apenas os setores produtivos, mas a capacidade de reação do governo. No entanto, como agora as condições políticas de Lula para negociar com Trump foram modificadas, a impressão é de que o bolsonarismo sofreu um dos maiores revezes desde a sua ascensão”, afirma.
Segundo ela, a atuação do governo brasileiro se mostrou eficaz mesmo diante de um posicionamento inicialmente ideológico por parte do governo norte-americano. “Mesmo fazendo críticas ao presidente Trump, o presidente Lula foi orientado a focar nos preceitos da soberania, demonstrando que, acima de tudo, os interesses nacionais estavam em risco”, disse.
O balanço foi de uma conversa “ótima” com Trump, disse Lula, que pautou de “forma franca e construtiva” a agenda comercial e econômica bilateral. A extrema direita, no entanto, sofreu um forte revés com o diálogo estabelecido entre os países, avalia a cientista política, pois a capacidade de negociação do governo prevaleceu sobre disputas ideológicas.
Antes da reunião deste domingo (26), Trump havia afirmado que poderia reduzir a taxação a produtos brasileiros “sob as circunstâncias certas”. Segundo ministros presentes no encontro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não foi citado nas tratativas, o que evidencia o caráter econômico da agenda.
“Ao mesmo tempo em que Bolsonaro foi se enfraquecendo, a partir do desfecho do julgamento da trama golpista, as pesquisas de opinião foram apontando que a maior parte da população brasileira estava favorável à atuação do governo Lula”, analisa Lapa.
A professora de ciência política Mayra Goulart considera que o presidente estadunidense opera de forma contraditória para capturar ou desviar a atenção pública conforme seu interesse. “A questão das tarifas deixou de ser interessante para Trump, em termos de levar atenção a isso. Daí essa sinalização de que é possível desconstruir o tarifaço”, opina Goulart.
“Assim como a associação com o Jair Bolsonaro deixou de ser interessante a partir do momento que o próprio bolsonarismo entrou numa relativa crise aqui no Brasil, diante da inelegibilidade de Jair Bolsonaro”.
Para Priscila Lapa, é possível projetar um cenário de revogação de tarifas para alguns segmentos daqui para frente. Ela avalia que o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, foi uma escolha acertada para atuar na linha de frente da crise com os empresários afetados pela taxação.
“Outro movimento importante foi em relação ao setor produtivo: o governo não se furtou de ouvir os setores impactados, escalando o vice-presidente para essa linha de frente junto aos empresários. Assim, foi sendo criado um clima favorável à abertura das negociações”, avalia.
Nas redes sociais, Alckmin disse, neste domingo (26), que o Brasil tem bons motivos para acreditar no diálogo. “Foi mais um passo para Brasil e EUA estreitarem ainda mais seus laços de amizade. E é mais uma evidência do compromisso do governo do presidente Lula com o povo brasileiro”, escreveu.
“Obviamente que os interesses norte-americanos pautarão sempre essa relação, mas o Brasil tem fatores favoráveis para colocar na mesa de negociação. A partir de agora, terá que haver também atenção para alguns tensionamentos internacionais em que o Brasil e os Estados Unidos têm posicionamentos distintos”, completa Lapa.
A escalada da tensão na Venezuela é um ponto de divergência com o governo estadunidense. Durante a reunião, Lula se prontificou a atuar como interlocutor entre os Estados Unidos e a Venezuela.
Para a professora Mayra Goulart, a pretexto de combater o crime organizado, Trump coloca um ponto de tensão na Venezuela, o que desafia a estabilidade regional e a tradição da diplomacia brasileira.
“Trump está colocando a atenção agora para a militarização da relação dele com a América Latina, e isso bate diretamente de frente com a forma como o Brasil, o Itamaraty e o presidente Lula encaram as relações da América Latina, a partir de uma perspectiva de construção de paz, de construção de uma relação de liderança do Brasil como um ente de estabilização regional. Essa é a função que o Brasil pleiteia enquanto líder.”
A ofensiva militar norte-americana avança no Mar do Caribe com navios de guerra e “demonstrações de ataque com bombardeios”. Após o deslocamento do maior navio de guerra do mundo para a região, o presidente Nicolás Maduro acusou os Estados Unidos de “fabricar uma nova guerra”.