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Brasil de Fato – O governo venezuelano apresentou nesta quarta-feira (21/08)) indícios de que as atas eleitorais apresentadas pela oposição seriam falsas. Essas atas foram divulgadas em um site oposicionista e mostrariam que o candidato Edmundo González Urrutia teria ganho o pleito de 28 de julho.
Todas as atas eleitorais estão sendo apuradas pela Justiça. Elas foram entregues pelo órgão eleitoral (Conselho Nacional Eleitoral, ou CNE) e são no momento analisadas pela equipe da Suprema Corte chamada Sala Eleitoral.
O governo alega que as atas divulgadas pela oposição apresentam muitas inconsistências, começando pelos resultados. O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodriguez, fez uma apresentação no Palácio Miraflores – sede do Executivo venezuelano – mostrando que muitas das atas eleitorais apresentam o mesmo número de votos para Edmundo González Urrutia. Segundo ele, além de “ilógico”, é pouco provável.
Rodríguez também apresentou um cálculo feito com base nos votos divulgados pela oposição. Em 23 dos 24 estados do país, Urrutia aparece com 63% dos votos. De acordo com ele, é “no mínimo estranho” que tanto Urrutia, quanto Nicolás Maduro apareçam com os mesmos resultados em diferentes zonas.
Outra inconsistência apresentada pelo governo seria a assinatura dos fiscais, muito parecidas, repetindo padrões. Seja com iniciais ou com rasuras, o presidente da Assembleia divulgou imagens de atas com assinaturas de fiscais “que pareciam ter sido feitas pela mesma pessoa”.
Jorge Rodríguez também afirma que a oposição de extrema direita não foi precisa quando disse quantas atas haviam sido recolhidas. Primeiro, a ultraliberal María Corina Machado falou em 70% das 30 mil mesas eleitorais. Depois, falou em 73%. Mais tarde, afirmou que seu grupo recolheu mais de 80% dos documentos. O governo indica que essa imprecisão é uma fragilidade do argumento da oposição. Corina afirma que, pela suas contas, Urrutia ganharia com 70% dos votos.
“Não dá pra ler”
As atas eleitorais são como o boletim de urna brasileiro. São documentos impressos das urnas eletrônicas no final das eleições. Neles, aparecem os votos totais que cada candidato recebeu em uma determinada mesa de votação. As supostas atas recolhidas pela oposição teriam sido divulgadas em dois sites. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter.
No site em que foram divulgadas as atas por centro de votação, o governo alega também que foram usados números de identidades falsas: ou de pessoas que já morreram, ou de pessoas que sequer votaram naquela unidade. Algumas atas também não têm assinatura dos mesários e do presidente da sessão eleitoral, algo que é obrigatório de acordo com a lei venezuelana. Usaram atas sem votos nenhum para contabilizar como ata
Rasuras, rasgos e borrões em atas de votação também foram identificadas pelo governo nas atas que a oposição afirma ter recolhido. Jorge Rodríguez apresentou uma ata em que não era possível ler os números dos votos de cada candidato. “Como eles fizeram a conta desses votos?”, afirmou o presidente da Assembleia Nacional.
Metadados provam?
O governo começou a usar nos últimos dias uma linha discursiva complementar para alegar fraude nos documentos divulgados pela extrema direita: mudanças nos metadados das imagens. Metadados são as informações detalhadas de uma imagem. Em uma foto tirada por um celular, por exemplo, há uma série de dados embutidos. Data, câmera de origem, nome do arquivo, tamanho.
De acordo com as denúncias do governo, os metadados das imagens das atas estão incompletos, o que mostraria uma possível alteração na imagem original. O ministro das Comunicações, Freddy Ñáñez, chegou a afirmar nesta semana que 83% das atas apresentadas nos sites “foram adulteradas por um software de edição”. Ele disse também que as imagens que não tinham metadados “podem significar que esta imagem foi alterada, a sua cor, o seu conteúdo ou que foi roubada”.
No entanto, para o especialista em tecnologia da informação da Universidade Central da Venezuela Luigino Bacci, isso é apenas um indício, não uma prova de que houve alterações nos documentos. De acordo com ele, os metadados das imagens são fáceis de serem modificados e só é possível checar a veracidade das atas divulgadas com o material coletado pelo CNE.
“Quando alguém usa uma câmera profissional e tira uma foto ou usa um scanner, nessa imagem ficam registrados os metadados. Mas esses dados são fáceis de manipular. Essa questão não foi pensada para segurança, mas para registro. Por isso eles não podem ser usados como referência para isso. Inclusive no photoshop. É talvez um indício, mas a prova é só com os documentos do CNE”, disse ao Brasil de Fato.
O CNE tem 4 formas de verificar a validade da cópia de uma ata. Comparar com a ata original, com os dados transmitidos para o sistema do Conselho, com os dados armazenados em uma espécie de pendrive e com os votos impressos guardados em uma urna. Luigino entende que essas são as únicas formas seguras de avaliar uma ata eleitoral.
Maria Corina já tinha plano em 2008
“Imagina se hoje nós tivéssemos todas as atas de 2 de dezembro, escaneadas e você coloca o seu documento em um site e aparece a imagem da ata de votação do seu centro. Não te daria mais confiança? É disso que se trata. Garantir que como cidadãos nós possamos enfrentar e superar que impõe o CNE”. Essa frase foi dita por María Corina Machado em uma entrevista ao canal Venevisión em 2008.
Há 16 anos, a ultraliberal, que hoje lidera um movimento que contesta as eleições presidenciais, explicitava o seu plano de criar um site que divulgasse as atas. Na ocasião, ela fazia referência às eleições regionais para escolher governadores e prefeitos na Venezuela. O governo teve vantagem em relação aos opositores: 52.1% contra 41.8%.
Para as eleições de 2024, a oposição não só criou os sites para apresentar as atas, como não levou esses documentos para a Justiça. Por causa das denúncias de fraude e da acusação de um ataque hacker feita pelo CNE, o processo eleitoral venezuelano está sob disputa judicial.
O presidente Nicolás Maduro pediu uma investigação pela Justiça. O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu nove dos dez candidatos que disputaram o pleito. Só o opositor Edmundo González Urrutia não compareceu. Ele já havia avisado que faltaria à convocação feita pela Justiça. Em nota divulgada nas redes sociais, o ex-embaixador disse que, se fosse ao TSJ, estaria em uma situação de “vulnerabilidade”.
Ele enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da sessão, ele disse que a oposição “não precisa entregar nada”. O governador disse também não saber quem publicou as atas nos sites.
Nicolás Maduro foi reeleito para o terceiro mandato com com 6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) de Urrutia com 96,87% das urnas apuradas. Nesse meio tempo, o candidato derrotado nas eleições publicou nota nas redes sociais pedindo que militares do país “desobedeçam ordens” e “respeitem o resultado das eleições”. No texto, Edmundo González se autoproclama presidente da Venezuela.
O TSJ já apurou 60% das atas eleitorais no país. O objetivo da Justiça é concluir a apuração de 100% das atas e validá-las no sistema do CNE.